Danos Materiais – CASAN – Clóro acima dos níveis permitidos

Apelação Cível n. 2010.073554-4, da Capital
Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – CASAN – FORNECIMENTO DE ÁGUA COM NÍVEIS DE CLORO SUPERIORES AO LIMITE ESTABELECIDO PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE – APREENSÃO E INUTILIZAÇÃO DOS GÊNEROS ALIMENTÍCIOS PRODUZIDOS COM A UTILIZAÇÃO DA ÁGUA IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO – APLICABILIDADE DA LEI DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – CDC, ART. 6º, INC. VIII
Configurada a relação de consumo, invertido o onus probandi e comprovada satisfatoriamente pelo consumidor a má qualidade da água, que ultrapassou os níveis de cloro considerados adequados para o consumo, segundo Portaria do Ministério da Saúde, deve ser acolhido o pedido de indenização por danos emergentes.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.073554-4, da Comarca da Capital (1ª Vara Cível), em que são apelantes e apeladas Companhia Catarinense de Águas e Saneamento CASAN e Laurita Besen ME:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento aos recursos. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Laurita Besen ME ajuizou ação indenizatória em face da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, referindo que: (a) comercializa
gêneros alimentícios, mais especificamente gelados, tais como sorvetes e picolés; (b) no dia 25.10.2006 verificou que os seus produtos apresentavam odor e sabor de cloro e que, por isso, não estavam adequados para o consumo; (c) ao realizar análise química da água, juntamente com a Vigilância Sanitária e a Companhia de Águas, constatou a presença de cloro em níveis superiores ao permitido, atingindo 5,13 mg/l, concentração imprópria para o consumo; (d) o excesso de cloro gerou perda de toda a sua produção; (e) a Vigilância Sanitária lavrou auto de infração e a Secretaria de Estado da Saúde apreendeu e inutilizou toda a mercadoria; (f) o seu prejuízo alcançou R$ 20.043,60, que deve ser indenizado pela concessionária de abastecimento de água.
Após a regular tramitação do feito, o Meritíssimo Juiz proferiu sentença, acolhendo a pretensão indenizatória.
Retira-se da parte dispositiva do decisum:
“Ante o exposto, JULGO com fulcro no artigo 269, inciso I do CPC, PROCEDENTE o pedido formalizado na inicial pela autora Laurita Besen – ME, condenando a CASAN Companhia Catarinense de Águas e Saneamento à indenizar a requerente o valor de R$ 20.043,60 (vinte mil, quarenta e três
reais e sessenta centavos), corrigido monetariamente deste a data da ocorrência do sinistro, 25/10/2006 (fls. 19/20) e acrescidos de juros moratórios de 0,5% ao mês, a partir da citação.
“Condeno a requerida ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (vinte por cento) sobre o montante indenizatório. “Publique-se.Registre-se.Intimem-se.
“Salienta-se que a parte ré deverá efetuar o pagamento da condenação ora imposta, no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado,
independente de nova intimação, sob pena de multa no percentual de 10% sobre o montante da condenação, nos termos do artigo 475-J do CPC. (cf. TJRS, AI 70018090605, Rela. Desa. Marilene Bonzanini Bernardi, j. 20/12/06)” (fls. 121/128). Sobreveio recurso de apelação da ré, que repetiu as teses de que o laudo químico apresentado pela autora teria sido produzido unilateralmente, violando o seu direito ao contraditório e à ampla defesa, e de que a concentração de cloro na água, por ocasião dos fatos, não teria ultrapassado o limite considerado regular pelo Ministério da Saúde. Referiu, também, que a lei de proteção ao consumidor seria inaplicável à espécie.
A autora também apelou, pugnando pela majoração dos honorários advocatícios para 20% do valor da condenação.
Ofertadas as contrarrazões, ascenderam os autos.
VOTO
1 O feito versa pedido de indenização por danos emergentes deduzido por Laurita Besen ME em face da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN. A autora atribui à ré a responsabilidade pela perda da sua produção de sorvetes e picolés em razão da má qualidade da água.
Segundo a demandante, após realizar uma análise química verificou que os níveis de cloro na água que abastece a sua fábrica ultrapassavam o limite máximo permitido, de 5,00 mg/l, segundo a Portaria n. 518/2004 do Ministério da Saúde. A concentração de cloro, imprópria para o consumo, fez com que a Vigilância Sanitária lavrasse auto de infração e a Secretaria de Estado da Saúde apreendesse e inutilizasse a mercadoria.
No seu entender, a demandada deve arcar com os seus prejuízos, uma vez que é responsável por manter o padrão de potabilidade da água que fornece.

Ab initio, importa dizer que a hipótese em apreço é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, autora e ré enquadram-se perfeitamente nos conceitos legais de consumidor e fornecedor, respectivamente. A relação jurídica existente entre ambos, a despeito da natureza do serviço oferecido pela companhia de águas, que é público, não é outra que não a típica relação de consumo.
Nesse sentido, colhe-se do texto legal:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. “Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. “§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. “§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Mais adiante, no art. 22, o legislador deixou claro que os prestadores de serviços público também estão submetidos à lei de proteção ao consumidor:
“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. “Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.
Pois bem. Nesse passo, considerando a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor, bem assim a verossimilhança das suas alegações, o Magistrado a quo determinou a inversão do ônus da prova, na forma do inc. VIII do art. 6º da Lei n. 8.078/90.
Como é cediço, a facilitação da defesa do consumidor, mediante a inversão do onus probandi, foi erigida à categoria de direito básico, de modo a
protegê-lo. De certa forma, foi a saída encontrada para viabilizar-lhe o acesso à justiça nos casos em que se apresentar difícil ou impossível a comprovação fática das suas alegações.
Na hipótese, portanto, cabia à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN comprovar a sua tese de que a concentração de cloro na água não ultrapassou o limite máximo considerado próprio para o consumo. No entanto, não foi o que fez a requerida que, em audiência conciliatória, não pugnou pela produção de qualquer prova.
De outro lado, a requerente comprovou à saciedade a má qualidade da água. O laudo de análise química apresentado, que, vale dizer, registra a
presença da Vigilância Sanitária e da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN no momento do ensaio, atesta que “foi coletada a água a partir dos filtros e, mesmo após a filtragem apresentou uma quantidade excessiva de cloro livre, chegando ao percentual de 5,13 mg/l, sendo impossível de consumi-la, bem como utilizá-la para a preparação de gelados” (fl. 26). Ainda segundo o documento, “tal percentual não é tolerável pelo nosso organismo” (fl. 26).
Releva saber que segundo o art. 11 da Portaria n. 518/2004 do Ministério da Saúde, o padrão de potabilidade da água deve respeitar o limite máximo de cloro livre de 5 mg/l. Índice superior, nos termos do regramento, apresenta riscos à saúde.
A autora apresentou também auto de intimação de apreensão de mercadorias expedido pela Secretaria de Estado da Saúde, que recolheu e inutilizou sorvetes e picolés, além de matéria-prima para a sua fabricação, por apresentar forte odor e gosto de cloro (fl. 19), e auto de infração lavrado pela Vigilância Sanitária, que inutilizou os produtos por verificar a presença de excesso de cloro proveniente da água utilizada na sua produção (fl. 20).
Ora, se a Secretaria de Estado da Saúde e a Vigilância Sanitária atestaram que a água era imprópria para o consumo, tanto que recolheram os produtos e os inutilizaram, entende-se que restou suficientemente evidenciada a má qualidade da água.
Assim, ainda que o laudo químico tenha sido produzido unilateralmente, o que, importa ressaltar, não foi demonstrado, os demais documentos corroboram a alegação da demandante.
Em suma, feita a análise e a valoração das provas acostadas ao caderno processual, entende-se que a autora comprovou o fato constitutivo do seu
direito e a ré, por seu turno, não se desincumbiu do seu ônus probatório. Cumpre registrar, por importantíssimo, que ainda que se entendesse inaplicável o Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, a inversão do ônus probatório, ainda assim a pretensão indenizatória seria acolhida, uma vez que restou devidamente comprovada pela postulante a má qualidade da água.
Dessarte, não há como acolher a insurgência da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN.
No tocante aos honorários advocatícios, por sua vez, o apelo da autora não merece provimento.
Segundo a previsão contida no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil, o Julgador, ao fixar a verba honorária, deve atentar para os requisitos constantes das letras “a”, “b” e “c” – grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
No caso em apreço, considerando o grau de complexidade reduzido da lide, além do curto intervalo de tempo de tramitação, o Togado singular fixou a remuneração do causídico em 10% do valor da condenação, montante este que deve ser mantido, sobretudo porque a demanda não proporcionou maiores dispêndios de tempo e labor do profissional.
Ante o exposto, nego provimento aos recursos.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento aos recursos. O julgamento, realizado no dia 25 de janeiro de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros,
Desembargador Newton Trisotto e Desembargador Pedro Manoel Abreu.
Florianópolis, 26 de janeiro de 2011.
Luiz Cézar Medeiros
RELATOR
Gabinete Des. Luiz Cézar Medeiros

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