04 fev AÇÃO DE USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL
Claudete Inês Pelicioli e Fernanda Cousseau
Muitas vezes, uma pessoa encontra-se na posse de um imóvel, com o ânimo de dono, no entanto, não detém a sua propriedade, faltando-lhe a segurança jurídica do título.
Assim, o imóvel de posse não pode ser objeto de regular compra e venda, pois não pode haver a transferência da propriedade, somente da posse; não pode ser oferecido em garantia de financiamento; não pode haver construção legal, desmembramento ou empreendimento sobre a área, pois carece do título de propriedade, fatores que desvalorizam o bem.
Para resolver a problemática, utiliza-se a ação de usucapião, que é uma das formas de aquisição de propriedade, preenchidos os requisitos legais necessários, quais sejam: a posse mansa e pacífica por um período de tempo e o atendimento da função social. A boa-fé também é requisito para a Usucapião Ordinária.
Desta forma, o presente artigo visa estimular a utilização da ação de usucapião para a regularização de imóveis de posse, apresentando-se as modalidades da usucapião e as vantagens da aquisição do título de propriedade.
O direito de propriedade está previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, tendo como pressuposto o atendimento à função social, incisos XXII e XXIII, artigo 170, II e III e, a ação de Usucapião está prevista no Código Civil, artigos 1238 a 1244 e nos Procedimentos Especiais, disciplinados nos artigos 941 a 945 do Código de Processo Civil.
O direito à propriedade significa poder usar, gozar e dispor do imóvel, conforme art. 1228 do Código Civil, e é o que se pretende alcançar pelo manejo da ação de usucapião.
A palavra “Usucapio” deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Tomar pelo uso.
Assim, o titular da propriedade do imóvel pode perdê-la por abandono ou por negligência (ausência de insurgência à posse de terceiro no prazo legal), assim como, aquele que detém a posse pode transformá-la em propriedade, desde que esteja na posse do bem por determinado período de tempo, mansa e pacificamente, dando-lhe uma função social.
Dar função social ao imóvel, quer dizer usá-lo, seja para fins de moradia, de produção ou econômico, dando-lhe utilidade. Acerca da função social da propriedade, o doutrinador José Carlos de Moraes Salles ensina:
Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcional a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade. Assim o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse.” (Usucapião de bens imóveis e móveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. pp. 36/37).
Assim, os requisitos para a ação de usucapião são: a posse mansa e pacífica, a posse por determinado período de tempo, atendimento ao fim social do imóvel.
Ressalva-se que, os imóveis públicos não podem ser objeto de usucapião (artigos 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal e Decreto-Lei nº 9.760/46).
Existem outras formas preferenciais de regularização da posse, como o inventário, a adjudicação compulsória e outros meios que permitem a transferência do imóvel sem necessidade do processo de usucapião.
Na sequência apresentam-se as modalidades de Usucapião mais utilizados para transformar a posse em propriedade:
a) Usucapião Extraordinária – Posse de 15 anos
A usucapião extraordinária está prevista no art. 1.238 do Código Civil e estabelece que aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á para dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
b) Usucapião Ordinária – Posse de 10 anos – Justo Título
A usucapião ordinária está prevista no art. 1.242 do Código Civil, adquirindo a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Neste contexto, a boa-fé é requisito indispensável para o justo título, cujo conceito se transcreve das palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
Justo título é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que ele lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade por padecer de um vício de natureza formal ou substancial.
O justo título pode se concretizar em uma escritura de compra e venda, formal de partilha, carta de arrematação, enfim, um instrumento extrinsecamente adequado à aquisição do bem por modo derivado. Importa que contenha aparência de legítimo e válido, com potencialidade de transferir direito real, a ponto de induzir qualquer pessoa normalmente cautelosa a incidir em equívoco sobre a sua real situação jurídica perante a coisa (Curso de direito civil: direitos reais. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. pp. 365 e 366).
Sílvio de Salvo Venosa amplia o rol de documentos que podem ser considerados justo título: escrituras não registráveis por óbices de fato, formais de partilha, compromissos de compra e venda, cessão de direitos hereditários por instrumento particular, recibo de venda, procuração em causa própria e até mesmo uma simples autorização verbal para assumir a titularidade da coisa.
c) Usucapião Especial Rural – 5 anos – área não superior a 50 hectares
A usucapião especial rural encontra respaldo no art. 191 da Constituição Federal, que dispõe que aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. No mesmo sentido é o art. 1.239 do Código Civil.
d) Usucapião Especial Urbana – Posse de 5 anos
A usucapião especial urbana encontra respaldo constitucional, no art. 183 da C.F., que dispõe que, aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Os parágrafos 1º a 3º do referido artigo que esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. O art. 1.240, do Código Civil é no mesmo sentido.
e) Usucapião Familiar – Posse 2 anos
O art. 1.240-A, do Código Civil, introduzido pela Lei n. 12.424 de 2011, incluiu a mais recente modalidade de usucapião: a Usucapião Familiar.
Segundo o diploma legal, aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
f) Usucapião Coletiva – Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 – Posse de 5 anos
O art. 10 da Lei 10.257/01 prevê a usucapião coletiva, estabelecendo que as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Considerações sobre Usucapião na Ilha de Florianópolis
A Emenda Constitucional n. 46/2005 alterou a redação do inc. IV do art. 20 da Constituição Federal, excluindo do rol de bens da União as ilhas costeiras que sejam sedes de Municípios, como é o caso de Florianópolis. Dessa forma, restou inequívoca a ausência de interesse da União nas ações de usucapião em que a alegação de Florianópolis estar sediada em ilha costeira consistia o único fundamento da intervenção.
Existem outras modalidade de usucapião sobre o domínio útil, sobre a enfiteuse, o usufruto, o uso, a habitação, servidões, etc, também se aplicando a semoventes. No entanto, este artigo restringiu-se às modalidades de usucapião mais utilizadas.
Conclui-se que são diversas as vantagens advindas da aquisição da propriedade pela ação de usucapião, como: a valorização imobiliária, a obtenção financiamento na compra e venda, dação do imóvel em garantia de transações bancárias, edificação ou loteamento regular sobre o bem.
Portanto, o título de propriedade confere segurança jurídica para o possuidor poder usar, dispor e gozar do bem como melhor lhe aprouver.
Bibliografia:
DE FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. (Curso de direito civil: direitos reais. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. pp. 365 e 366).
SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Direitos Reais, 3ª ed., vol. 5, São Paulo : Atlas, 2003
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1. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Direitos Reais, 3ª ed., vol. 5, São Paulo : Atlas, 2003, p. 190.
2. Op cit. p. 197.