Apagão CELESC Indenização

Autos n° 023.04.066046-2
Ação: Indenizatória/Ordinário
Autor: Laurita Besen Me
Réu: Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A – CELESC
Vistos, etc.
Laurita Besen ME, pessoa jurídica de direito privado, com sede na rua Prefeito José Koehring, s/n, centro, Santo Amaro da Imperatriz/SC, por seu procurador devidamente habilitado, ingressou com a presente Ação Indenizatória contra Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A – CELESC, alegando como causa de pedir da tutela jurisdicional, que atua no ramo de fabricação de gelados e, a fim de viabilizar a comercialização e divulgação dos produtos, oferece os mesmos mediante venda em consignação, abastecendo os pontos de venda com os produtos e fornecendo os freezers de sua propriedade, dispondo de 29 pontos de fornecimento em Florianópolis, recebendo o pagamento dos produtos somente após concretizada a venda e, qualquer problema que ocorra com os gelados, estes devem ser substituídos, arcando a requerente com os prejuízos decorrentes.
Afirmou, que em virtude do corte de energia elétrica ocorrido na Ilha de Florianópolis em 29/10/2003, que perdurou até a madrugada de 31/10/2003, houve o descongelamento e deteriorização de todos os produtos consignados nos postos de venda, cabendo à autora fazer a sua substituição, arcando com os prejuízos, conforme notas fiscais anexas, no valor de R$ 10.024,67, arcando ainda com a limpeza e manutenção dos freezers em que estavam acomodados os gelados, o que dispendeu tempo, deixando de ganhar com novas vendas, cessando seus lucros, ainda mais que ficou do dia 29/10 a 01/11/2003 impedida das vendas em Florianópolis, importando os lucros cessantes em R$ 5.306,01.
Requereu: – a citação da requerida para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia; – a procedência do pedido, condenando a requerida ao pagamento de indenização por danos emergente e lucros cessantes; – a condenação da requerida nas custas processuais e honorários advocatícios; – a produção de provas.
Valorou a causa e juntou documentos.
Devidamente citada, a demandada apresentou sua contestação, aduzindo, em preliminar a ilegitimidade ativa ad causam, argumentando para tanto que a autora afirmou que atua no mercado mediante venda em consignação de seus produtos, todavia, nos contratos de consignação, conforme determina o art. 535 do CC, a responsabilidade do consignatário permanece, mesmo havendo a deterioração da coisa consignada e, se a autora optou por restituir todos os produtos deteriorados, exerceu liberalidade adversa do que prevê a lei, responsabilizando-se por danos que não eram seus.
No mérito, diz não ter contribuído para a ocorrência do alegado evento danoso, pois nada de anormal foi registrado em sua rede de energia elétrica que eventualmente ocasionasse à autora os danos que pretende cobrar, mas somente falta de energia elétrica proveniente de caso fortuito ou de força maior. Afirmou que a interrupção do fornecimento de energia elétrica não configurou descontinuidade do serviço, eis que ultimada em situação de emergência. Sustentou que a simples interrupção de energia elétrica não é indenizavel, porque não se caracteriza como anormal, imprevista ou definida e determinada em face de alguém, com base no contrato de concessão de distribuição firmado com a ANATEL e a Resolução nº 24. Acenou a aplicabilidade da responsabilidade objetiva do Estado ao caso em apreciação. Asseverou que os serviços de manutenção visavam exclusivamente o benefício da própria distribuição de energia, porquanto não houve qualquer falha em seus equipamentos ou ação/omissão dos seus técnicos na manutenção dos cabos. Insistiu na não-configuração do nexo de causalidade. Afastou sua obrigação de indenizar o adverso, citando apontamento da doutrina. Requereu a improcedência do pedido inaugural, com a condenação da autora nos encargos sucumbenciais (fls. 148/189).
Intimada a requerente manifestou-se sobre a contestação, oportunidade em que juntou documentos, sobre os quais se manifestou a requerida.
Designada a audiência conciliatória a mesma restou inexitosa, oportunidade em que as partes requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 300).
É o breve relatório.
D E C I D O, antecipadamente a lide nos termos do enunciado no inciso I, do artigo 330, do Código de Processo Civil, eis que a pretensão de direito material encontra-se comprovada documentalmente nos autos, não necessitando de dilação probatória em audiência.
Antes de adentrar no mérito cumpre analisar a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada na contestação.
Efetivamente o contrato estimatório (de consignação), previsto no art. 534 e seguintes do Código Civil prevê a responsabilidade do consignatário (art. 535) pela restituição da coisa, mesmo que isso se torne impossível por fato a ele não imputável, entretanto, no caso em tela, a autora efetivamente restituiu as mercadorias deterioradas, conforme comprovam as notas fiscais de fls. 79/139 e conforme admite a própria requerida em sua contestação e, portanto, a autora se sub-rogou nos direitos dos consignatários.
Determina o art. 346, III do Código Civil: “A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: I e II – omissis; III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte”.
Alega a autora que tinha acordado com seus clientes (consignatários), a garantia da reposição das mercadorias consignadas, em caso de eventos
danosos, o que efetivamente ocorreu no caso em tela, já que a autora repôs as mercadorias aos consignatário e, caso não tivesse feito, os mesmos poderiam ingressar em juízo para cobrar a obrigação pactuada.
Assim, por força do art. 346, III do CC, a autora se sub-rogou nos direitos dos consignatário e, não pode arcar com esses prejuízo, sendo por isso, parte legítima para figurar no pólo ativo da presente demanda.
No mérito, inicialmente, impende registrar a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ( Lei nº 8.078/90), ao caso sub judice.
Menciona o artigo 2º do CDC, verbis: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Já o “caput” do artigo 3º do referido Código de Defesa do Consumidor, tem a seguinte redação, verbis: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço”.
O parágrafo primeiro do artigo 3º do CDC, define o que é produto, ao mencionar: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. De outro lado o parágrafo segundo do artigo 3º, acrescenta: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Interpretando a matéria a doutrina, orienta:
“(…) o conceito de consumidor, adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim agem com vistas ao entendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial” (Grinover, Ada Pellegrini…[et alt.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7{ ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, pág.26/27).
Decorre dos autos que a autora utilizava a energia elétrica fornecida pela ré como implemento para a produção e comercialização de outros produtos, e não para o atendimento de uma necessidade própria, afastando o seu reconhecimento como destinatário final do serviço/produto de energia elétrica.
No que se refere ao pedido de indenização por danos materiais, advindos do comportamento da demandada, sociedade de economia mista estadual, seu fundamento encontra-se no artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação, verbis: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa”.
Rui Stoco, em sua obra Tratado de Responsabilidade Civil, orienta:
“O art. 107 da Constituição Federal de 1969 e o artigo 37,§ 6º, da atual Carta Magna seguiram a linha traçada na Constituição Federal de 1946, orientando-se pela doutrina do Direito Público e mantendo a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo” e, complementa: “A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar da só ocorrência de lesão, causada ao particular por ato da Administração. Não se lhe exige qualquer falta do serviço, nem culpa de seus agentes. Basta o dano, sem o concurso do lesado” ( In: Ob. citada, 6º edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 959).
O comportamento comissivo, violador dos direitos da requerente, constitui-se no não fornecimento de energia elétrica, obstacularizando a operação de suas atividades e, por conseguinte, inviabilizando sua atividade negocial durante o período declinado na petição inicial.
A interrupção do fornecimento da energia elétrica, nos dias mencionados na inicial, ficou popularmente conhecido como “apagão” o qual impôs a paralisação das atividade da autor, de onde decorre o dano inconteste.
De outro lado, o nexo causal, afigura-se flagrante, porquanto os prejuízos materiais decorrem do fato público e notório que ficou conhecido como “apagão”, o qual teve ampla divulgação pela mídia, ocorrido entre os dias 29/10 e 01/11/2003.
Quando fala da responsabilidade civil do Estado, Alexandre de Morais, ressalva:
“(…) a responsabilidade civil do Estado consagrada pela Constituição brasileira, apesar de objetiva, permite abrandamentos, em face da adoção da Teoria do Risco Administrativo. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, ou caso fortuito, ou ainda, se comprovada culpa exclusiva da vítima, pois, nessas hipóteses, estará afastado um dos requisitos indispensáveis para a aplicação do art. 37,§6º, da CF.: nexo causal entre a ação ou omissão do Poder Público e o dano causado” ( Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, São Paulo: Jurídico Atlas, 2003/0.906). In casu, sustenta a CELESC, aqui demandada, que a interrupção do serviço deveu-se a fato imprevisível e inevitável, caracterizador de caso fortuito ou força maior. Porém, sua tese defensiva não encontra respaldo na aventada situação de emergência, a caracterizar força maior ou caso fortuito. Como foi posteriormente constatado, houve conduta imprudente e imperita na manutenção das linhas de transmissão que fazem a ligação entre a parte continental e insular da Capital Catarinense, provocando incêndio em uma das galerias da ponte Colombo Machado Salles. Com efeito, pela pertinência, transcrevo, excerto de arresto da lavra do Exmo. Desembargador Franscisco Oliveira Filho, esclarecendo a causa do “apagão”, nos seguintes termos:
(…) a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica multou a CELESC em R$ 7,917 milhões em razão do desligamento, como se extrai de notícia divulgada no sit da agência reguladora, em 9.2.04, cujo trecho se transcreve: ‘O desligamento das duas linhas de transmissão de 138 KV que ligam a ilha à parte continental de Florianópolis ocorrem em razão de incêndio numa galeria da ponto Colombo Machado Salles. A fiscalização da Aneel constatou que os técnicos da Celesc que faziam a manutenção das linhas no momento do acidente não observaram as normas e os procedimentos da distribuidora para a realização dos serviço. Dentre outros aspectos, essas normas determinavam a verificação da existência de gases no ambiente de manutenção, e a utilização de exautor ou ventilação forçada para a realização do trabalho. Essa constatação é corroborada por laudo do Corpo de Bombeiros do Estado de Santa Catarina, que apontou como causa do incêndio ação humana indireta. Segundo os bombeiros, o fogo foi provocado pelo maçarico utilizado pelos técnicos da distribuidora durante o serviço de manutenção da galeria, local onde havia uma concentração de gases de procedência não identificada. Também foi comprovado pela fiscalização da Aneel que a concessionária não atendeu advertências do fabricante de emenda das linhas que eram objeto de manutenção, que recomenda que usuários se certifiquem da inexistência de gases ou líquidos inflamáveis no local de trabalho antes de acender maçarico, além de consulta de práticas aprovadas pela empresa para procedimento de limpeza na área de trabalho”(http:///www.aneel.gov.br/aplicações/nbotícias/Outuput_Noticias.fcm-Identidade=1208&In: Apelação Cível nº 2006.0261266, j, em 22.08.06.)
Assim, diante da afirmação da Aneel, não há que se falar em caso fortuito ou força maior.
Nos autos, o autor pleiteia indenização por danos materiais, estes decorrentes dos prejuízos que teve com a perda parcial de alguns produtos do gênero alimentício, eis que sem energia elétrica, se deterioram, na modalidade de danos emergentes e para tanto, anexou notas fiscais, comprovando a aquisição de mercadorias, bem como o que deixou de ganhar durante o período do “apagão” (29.10 a 01.11.2003), na modalidade de lucros cessantes.
Ainda que a demandada não tenha efetuado impugnação específica acerca do quantum pleiteado, a título de danos materiais, observo que a soma total das notas fiscais acostadas aos autos, atingem a cifra de R$ 10.024,67 (dez mil, vinte e quatro reais e sessenta e sete centavos), valores este que a demandada deve indenizar a requerente, a títulos de danos materiais.
Não se pode perder de vista, que a autora, não comprovou outros prejuízos a título de danos materiais, que pudesse ser indenizado.
No que concerne ao pedido de indenização por danos lucros cessantes, estes não restaram devidamente comprovados nos autos, uma vez que a autora apenas alega de deixou de lucrar a média de R$ 5.306,01, entretanto não colacionou aos autos prova que demonstre referida média.
É da jurisprudência:
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PASSAGEIRA QUE FICOU COM SEQUELAS DEFINITIVAS. CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. FIXAÇÃO COM PRUDENTE ARBÍTRIO. LUCROS CESSANTES. AUSÊNCIA DE PROVAS. INDEFERIMENTO. A RELAÇÃO MANTIDA ENTRE TRANSPORTADOR E PASSAGEIRO É TÍPICA RELAÇÃO DE CONSUMO, SENDO VIÁVEL A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO PASSAGEIRO. TRATANDO-SE DE CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO, NOS TERMOS DO ARTIGO 37, §6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, A RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS A TERCEIROS É OBJETIVA. SOMENTE NÃO RESPONDERÁ A CONCESSIONÁRIA NA HIPÓTESE EM QUE O EVENTO DANOSO SE DER EM VIRTUDE DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SE, EM VIRTUDE DO ACIDENTE, UMA DAS PASSAGEIRAS ADQUIRIU LESÕES GRAVES E SEQÜELAS PERMANENTES, VIÁVEL SERÁ O DEFERIMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. A FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVE SE DAR COM PRUDENTE ARBÍTRIO, PARA QUE NÃO HAJA ENRIQUECIMENTO À CUSTA DO EMPOBRECIMENTO ALHEIO, MAS TAMBÉM PARA QUE O QUANTUM INDENIZATÓRIO NÃO SEJA IRRISÓRIO. Para que a parte faça jus a lucros cessantes, é preciso que ela comprove que, em virtude de um determinado fato, deixou de auferir rendimento, inclusive com a especificação dos valores, trazendo aos autos provas conclusivas, para que não haja condenação eventual. Não havendo provas neste sentido, não pode ser deferida à parte tal verba”. (TJ-MG; AC 1.0024.00.077524-7/001; Belo Horizonte; Nona Câmara Cível; Rel. Des. Pedro Bernardes; Julg. 04/07/2006; DJMG 29/07/2006). (grifei).
Assim, restou demonstrado nos autos apenas os danos materiais (danos emergentes), não logrando êxito a autora em comprovar os eventuais lucros cessantes, devendo haver condenação da requerida tão-somente na verba atinente aos danos materiais devidamente comprovados nos autos.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE procedente o pedido de indenização, ajuizado por Laurita Besen ME, contra Celesc – Centrais Elétricas de Santa Catarina, já devidamente qualificadas nos autos e em conseqüência, condeno a demandada a pagar à autora, a quantia de R$ 10.024,67 (dez mil, vinte e quatro reais e sessenta e sete centavos), acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data da citação (13.08.2004), corrigidos monetariamente pelo INPC, desde a data do ingresso da ação (28.07.2004), bem como ao pagamento das custas e despesas processuais. Considerando que a autor decaiu de parte mínima do pedido, fixo os honorários advocatícios, ao encargo da demandada em 10% sobre o valor da ação.
P. R. I.
Florianópolis (SC), 11 de outubro de 2007.
Saul Steil
Juiz de Direito

 

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