03 jul Atos do governo em Tempos de Pandemia (COVID-19) à Luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Revista Conceito Jurídico n.43
Claudete Inês Pelicioli[1]
Resumo
O problema que se quer abordar são os atos do governo em tempos de Pandemia, sem a participação da vontade popular e o conflito entre princípios constitucionais. Este artigo tem como objetivo geral fazer a análise da intervenção estatal em tempos de pandemia, COVID-19, e o seu confronto com os princípios e direitos constitucionais. Como objetivos específicos, aborda-se a desarmonia e desunião entre os atos dos governos federal, estadual e municipal; questiona-se se os atos do Estado, em tempos de pandemia, condizem com o Estado Democrático de Direito, ou seja, se refletem a vontade da nação, se respeitam os princípios constitucionais como a liberdade, o direito de locomoção, a livre iniciativa, o direito ao trabalho; aborda-se a importância da convivência entre o direito à saúde e o direito ao trabalho; defende-se o valor do trabalho e da livre iniciativa como instrumentos de sustentação da sociedade e da ordem econômica. A importância da pesquisa justifica-se pela tomada de consciência de que se é parte da sociedade e que a intervenção estatal deve coincidir com a vontade e o bem estar do povo brasileiro, que tem uma realidade própria e particular, visionando as consequências dos atos do Estado na ordem econômica e na Soberania Nacional. A metodologia na investigação foi o método indutivo.
Palavras chave: Atos do Governo, COVID-19, Constituição Federal, Saúde, Trabalho, Ordem Econômica.
- Introdução
Em 30/01/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11/03/2020, a COVID-19[2] foi caracterizada pela OMS como uma pandemia[3].
A partir da declaração da OMS e do aparecimento e proliferação da doença, em diversos Países, os governos passaram a prescrever medidas preventivas, mediante promulgação de Leis e Decretos, com o objetivo de conter a doença.
Em diversos Estados Brasileiros foi determinada a quarentena, com medidas de isolamento social, fechamento das fronteiras, escolas, indústrias, comércio, atividades culturais, esportivas, religiosas e de lazer, determinando que as pessoas fiquem em suas casas.
Números de mortes e contaminados são anunciados diariamente nos jornais e telejornais, levando a sociedade a um estado de pânico, em que “Ter Medo Virou uma Virtude”[4] e as pessoas preferem ficar em casa e a se expor ao contágio de uma doença que não sabem bem o que é.
Fazendo a análise da intervenção Estatal, sob a ótica do direito, cumpre questionar se as medidas obrigatórias e restritivas impostas pelos governos refletem o conceito de Estado Democrático de Direito, em tempos de pandemia (COVID-19). Se as medidas estatais colidem com princípios e direitos constitucionais, como a liberdade de locomoção, de reunião, de trabalho e de livre iniciativa? E, do ponto de vista econômico, se levou em conta a realidade brasileira e as consequências dos atos do Estado sobre a ordem e desenvolvimento econômico?
A importância da presente pesquisa justifica-se pela tomada de consciência sobre os atos do Estado, em colisão com os princípios e garantias constitucionais e, para uma responsabilização da sociedade, inserida em um Estado Democrático de Direito, visando uma retomada de ação, alertando para os efeitos deletérios de uma parada geral obrigatória.
A metodologia na investigação foi o método indutivo.
- Desenvolvimento
2.1. Estado Democrático de Direito
No campo do direito constitucional o Estado Democrático do Direito é instituído no preâmbulo da Constituição Federal:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (grifado).
Como se vê, o Estado Democrático é a premissa que rege todos os direitos garantidos e assegurados pela Constituição Federal, tendo por escopo o desenvolvimento de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, visando a paz social e a ordem interna e internacional, asseguradas a liberdade e o bem-estar.
O conceito de Estado Democrático de direito extrai-se dos ensinamentos de José Afonso da Silva (2013, p.979-980):
A configuração do Estado democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.
A Constituição portuguesa instaura o Estado de Direito democrático, com o “democrático” qualificando o Direito, e não o Estado. Essa é uma diferença formal entre ambas as constituições. A nossa emprega a expressão mais adequada, cunhada pela doutrina, em que o “democrático” qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também, sobre a ordem jurídica. O Direito, imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e terá de ajustar-se ao interesse coletivo. Contudo, o texto da Constituição portuguesa dá ao Estado de Direito democrático o conteúdo básico que a doutrina reconhece ao Estado democrático de Direito, quando afirma que ele e “baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o Socialismo mediante a realização da Democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (art. 2º).
A democracia que o Estado democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de govemo[5]; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias[6] e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.
O ponto alto, que se quer destacar, é que Direito deve representar o interesse coletivo.
A instituição do Estado Democrático de Direito deve garantir aos cidadãos a proteção jurídica dos direitos humanos e fundamentais e a harmonização das divergências.
Desse ponto de vista, o Estado não pode deliberar sem que a vontade do povo seja respeitada, seja garantida e, a ação e as decisões dos governantes devem estar pautadas na Lei Maior, a Constituição Federal e, deve coincidir com a vontade do povo, limitando o poder dos governantes.
Portanto, os atos do Estado devem estar pautados nos direitos dos cidadãos que o compõem, tendo como resultado a justiça social e o bem comum.
Neste sentido, o Estado Contemporâneo tem uma função instrumental, conforme lições do Professor Passold (2013, p.24):
A condição instrumental do Estado deve ser conseqüência de dupla causa:
(1) ele nasce da Sociedade, e
(2) deve existir para atender as demandas que, permanente ou conjunturalmente, esta mesma Sociedade deseja que sejam atendidas.
O Estado é um instrumento que tem a função de atender as necessidades emergentes do povo que representa e garantir o bem comum:
Acredito que não há sentido na criação e na existência continuada do Estado, senão na condição – inarredável – de instrumento em favor do Bem Comum ou Interesse Coletivo.
Deve haver, por parte desta criatura da Sociedade, um compromisso com a sua criadora, sob pena de perda de substância e de razão de ser do ato criativo.
Tal compromisso configura-se, de forma concreta, na dedicação do Estado à consecução do Bem Comum ou Interesse Coletivo.
O Bem comum não é a soma dos bens individuais ou dos desejos isolados. (2013, p.25)
Assim, é o Estado, como instrumento, que deve estar a serviço da sociedade e do cidadão, com o objetivo de atingir o bem comum, e não o contrário.
Diante da situação de pandemia, o Estado tem a função instrumental de decidir pelo Bem Comum e Interesse Coletivo, refletindo, no entanto, a vontade da sociedade.
Assim, cumpre verificar se as ações do Estado, em tempos de pandemia, preservam a saúde geral dos seus integrantes, física, mental e econômica, se são legais e se representam a vontade dos seus cidadãos.
Neste contexto, no item seguinte, se aborda a posição do Estado (União), dos Estados e dos Municípios.
2.2. Competência: estados e municípios promulgaram normas, legislando de forma mais restritiva que a lei federal
A COVID-19 foi detectada, primeiramente, na China, no final de 2019, o que motivou a OMS – Organização Mundial da Saúde – a decretar, em 30/01/2020, estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional[7].
Em 06/02/2020, o Brasil editou a Lei 13.979/20 com medidas de enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, com objetivo de proteção da coletividade, com medidas de ISOLAMENTO[8], QUARENTENA[9], realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas, tratamentos médicos específicos, estudo ou investigação epidemiológica, exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver, restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída do País, locomoção interestadual e intermunicipal, requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, etc[10].
Em 20/03/2020 foi decretado o estado de calamidade pública, no Brasil, pelo Decreto Legislativo 6/2020 aprovado pelo Senado Federal, com efeitos até 31/12/2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18/03/2020[11].
A lei 13979/20 foi regulamentada pelo decreto federal nº 10.282 de 20/03/20, que elencou as atividades de caráter público/essencial, que poderiam ter continuidade durante a aplicação das medidas emergenciais. Foi estabelecida uma lista de serviços públicos e atividades essenciais.
O governo federal, visando maior controle das medidas da pandemia, editou a medida provisória nº 926, em 20/03 (mesma data do decreto nº 10282), por meio da qual centralizou os poderes, na prática, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária[12].
Note-se que a Lei Federal prevê o isolamento e quarentena apenas de pessoas doentes, contaminadas ou suspeitas de contaminação.
Ocorreu que, os Decretos e Portarias Estaduais e Municipais impuseram condições mais restritivas que as determinadas pelo Governo Federal determinando o isolamento e a quarentena geral, respeitando apenas a realização de atividades essenciais, proibindo o trabalho fora de casa, a circulação de ônibus, utilização de academias, piscinas, praias, impôs o fechamento de shoppings, indústrias e comércio em geral, fóruns, etc., uma restrição de direitos nunca vista antes.
Para resolver o conflito de competência do governo federal foi proposta a ADI 6341, tendo o STF se manifestado pela inconstitucionalidade de uma série de dispositivos da medida provisória, estabelecendo a liberdade dos Estados e Municípios para decidir sobre como conduzir as suas políticas de combate à pandemia, considerando que a centralização em nível exclusivamente federal, se opõe à competência concorrente de Estados e Municípios no que se refere ao tema.
Isso porque o STF entende que o assunto – saúde pública – é de competência concorrente da União, estados e municípios para legislar, o que significa que os Estados e os municípios podem legislar, como fizeram, de forma mais restritiva, não podendo apenas flexibilizar a Lei federal[13].
Assim, não obstante a Lei 13979/20 do Governo Federal previa as medidas de isolamento apenas das pessoas contaminadas, doentes ou suspeitas, os Estados e Municípios editaram normas mais restritivas, o que resultou numa paralisia geral das atividades, exceto as consideradas essenciais.
Neste contexto, resta analisar se tais medidas restritivas, impondo a quarentena e o isolamento social, a todos os cidadãos, estão em conformidade com a Constituição Federal.
2.3. Dos Princípios e Direitos Constitucionais
O Título I da Constituição Federal trata dos Princípios Fundamentais e no artigo 1º[14], os elenca: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Assim, cumpre conceituar princípios fundamentais, trazendo a visão de Miguel Reale (2002, p. 60):
“princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a cada porção de realidade”.
Como se vê, os princípios são a base que sustenta a Constituição e os Direitos fundamentais, constituindo o sistema normativo, conforme Sarmento (2008, p. 87-88):
Os princípios são muito importantes porque, pela sua plasticidade conferem maior flexibilidade à Constituição, permitindo a ela que se adapte mais facilmente às mudanças que ocorrem na sociedade. Além disso, por estarem mais próximos dos valores, eles ancoram a Constituição no solo ético, abrindo-a para conteúdos morais substantivos. Por isso, seria inadmissível uma combinação baseada apenas em normas regras. […] sem embargo, também seria inviável uma Constituição que se fundasse apenas sobre princípios, pois esta carrearia ao sistema uma dose inaceitável de incerteza e insegurança, já que a aplicação dos princípios opera-se de modo mais fluido e imprevisível do que a das regras. É indispensável que, ao lado dos princípios, existam regras na Constituição, para que a abertura do sistema não destrua sua segurança e estabilidade.
Verifica-se que os princípios constituem o núcleo da Constituição Federal e não estão isolados, mas, são conexos com o conjunto de normas, com regramento jurídico, dando-lhes o fundamento, um norte a ser seguido, conforme se visualiza no gráfico abaixo, elaborado para este estudo:
O objetivo do gráfico é demonstrar que os princípios constitucionais interagem com as garantias fundamentais e com os demais direitos dispostos na Constituição Federal, demonstrando que deve haver a convergência democrática e harmônica entre eles.
O Título II da Constituição Federal trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, que para o objetivo deste estudo, citam-se os artigos 5º[15], 6º[16] e 7º[17]. O artigo 5º garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; já o artigo 6º trata dos direitos sociais da educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, maternidade e a infância, assistência aos desamparados; enquanto que, o art. 7º trata especificamente dos direitos dos trabalhadores.
No Título VIII, o primado da ordem social, determinado pela própria constituição, é o trabalho, que consta, também, como princípio (at. 1º, IV) e é reforçado no artigo 193:
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
A saúde, como direito de todos e dever do Estado, é tratada no artigo 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
No Título VII, a Constituição Federal, da Ordem Econômica e Financeira, reforça os o valor do Trabalho e da Livre Iniciativa:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (grifado).
Como se viu, o princípio da Dignidade da Pessoa humana pode ser defendido tanto do ponto de vista da preservação e proteção da saúde, como da garantia do trabalho e da livre iniciativa e, os direitos individuais e coletivos defendem tanto a vida (art. 5º), como a saúde, o trabalho e a livre iniciativa.
Explicitados os princípios e as garantias fundamentais, no item seguinte faz-se à análise dos atos dos governos confrontando-os com o regramento constitucional.
2.4. Da Proteção da Saúde e da Vida e dos Direitos de Liberdade, Trabalho e Livre Iniciativa
Pode-se entender que a decretação da quarentena e isolamento, proibição de circulação das pessoas, de reunião, com o fechamento do comércio, shoppings centers, indústrias, escolas, proibição de realização de partidas de futebol e de outros eventos sociais, encontra justificativa constitucional na defesa da vida e preservação da saúde, pautada no princípio da dignidade da pessoa humana.
No entanto, em nome da proteção à saúde, os cidadãos foram destituídos de outros direitos constitucionais como o da Liberdade (art. 5º, caput), de Locomoção (art. 5º, XV), de Reunião (art. 5º, XVI), os direitos sociais à educação, trabalho e lazer (art.6º), preterido o primado do trabalho (art. 7º, 193) e, da livre iniciativa (art. 170), pautados nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Trabalho e da Livre Iniciativa (art.1º, III e IV), como se resume o gráfico abaixo:
Portanto, pode-se entender que há colisão de princípios fundamentais, cumprindo trazer as lições de Robert Alexy (2008, pp.93-94) sobre o assunto:
3.2. A colisão entre princípios
As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido-, um dos princípios terá que ceder. Isso significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão de precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso[18].
Sobre o mesmo assunto Canotilho (1993, p.646-647) complementa:
Os exemplos anteriores apontam para a necessidade de as regras do direito constitucional de conflitos deverem construir-se com base na harmonização dos direitos, e, no caso de isso ser necessário, na prevalência (ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro (D1 P D2). Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que o outro (D1 P D2)C, ou seja, um direito (D1) prefere (P) outro D2 em face das circunstâncias do caso (C)[19]
Verifica-se, portanto, que os governos, na circunstância concreta da Pandemia (COVID-19) decidiram pela prevalência da preservação da saúde sobre outros direitos constitucionais como os direitos da liberdade, do trabalho e da livre iniciativa, cumprindo questionar sobre a possibilidade de convivência e harmonização entre tais direitos, ao invés da colisão, como se deu pela intervenção estatal.
Neste contexto, cumpre trazer o valor do trabalho para a ordem econômica e social.
2.5. O valor do Trabalho e da Livre Iniciativa para a ordem econômica e social
Em 2019, foi promulgada a Lei 13874/2019, com a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado: O BRASIL LIVRE PARA CRESCER.
Em 2020, no entanto, tem-se que enfrentar o problema da Pandemia, COVID-19.
Enquanto a União previa o isolamento social e a quarentena restringindo os direitos apenas aos doentes, contaminados e suspeitos, os estados e os municípios, em geral, foram mais restritivos, submetendo toda a população às medidas restritivas.
É realidade que os estados e os municípios dispõem de mais condições de controlar de perto a situação dos cidadãos que pertencem a sua circunscrição, no entanto, revelou-se a desarmonia entre princípios constitucionais e entre as instancias do governo federal, estadual e Municipal, que não chegaram a um consenso sobre como tratar o assunto.
Verifica-se que, no contexto concreto da pandemia, não houve respeito ao Estado Democrático de Direito, com Estados e Municípios extrapolando os limites da atuação estatal, uma vez que deve prevalecer a vontade do povo, que em nenhum momento foi consultado.
Pode-se dizer que os atos restritivos impostos pelos estados e municípios tiveram como justificativa a preservação da saúde e o direito à vida, dos cidadãos e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), por outro lado, foram preteridos outros direitos sociais e individuais como: de liberdade, de locomoção, do trabalho e da livre iniciativa, fundamentais para o exercício do bem estar social e do desenvolvimento da economia nacional.
Defende-se que os princípios da livre iniciativa e do trabalho são o fundamento e o sustentáculo da ordem econômica e social.
Neste contexto, a valorização do trabalho e livre iniciativa na visão do Professor Lafayete Josué Petter (2009, p.47):
3.1.2. A Valorização do Trabalho humano
A valorização do trabalho humano e da livre iniciativa revelam que a Constituição de 1988 prevê uma sociedade brasileira capitalista moderna, na qual e conciliação e a composição entre os interesses dos titulares de capital e trabalho são necessidades a serem viabilizados pela atuação do Estado. Anotes-se: a valorização do trabalho humano encontra-se prevista como fundamento da República Federativa do Brasil (inc. IV do art. 1º da Constituição), como fundamento da ordem econômica (caput do art. 170) e como base da ordem social (art. 193). Celso Ribeiro Bastos destaca que a Constituição refere-se à valorização do Trabalho humano também no sentido material, qual seja, a de que o trabalho deve receber uma contrapartida monetária que o torne materialmente digno. Mas valorizar o trabalho humano diz respeito a situações em que haja também mais trabalho (busca do pleno emprego), melhor trabalho e quando o trabalho não sofre tratamento antiisonômico. Além disso, o trabalho humano e sua valorização encontram-se intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana, pois na medida em que se valoriza aquele, está-se valorizando a pessoa humana. Por isso, com razão, ensina José Afonso da Silva[20] que a valorização do trabalho humano se sobrepõe aos demais princípios da ordem econômica.
Da mesma forma, o trabalho e livre iniciativa como intrínseca condição da dignidade da pessoa humana por NOVELINO (2016, p. 256):
3.4. Valores Sociais do trabalho e da livre-iniciativa
O reconhecimento dos valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado brasileiro impede a concessão de privilégios econômicos condenáveis, por ser o trabalho imprescindível à promoção da dignidade da pessoa humana, uma vez que pode ser visto como um ponto de patida para o acesso ao mínimo existencial e condição de possibilidade para o exercício da autonomia. A partir do momento em que contribui para o progresso da sociedade à qual pertence, o indivíduo se sente útil e respeitado. Sem ter qualquer perspectiva de obter um trabalho, com uma justa remuneração e com razoáveis condições para exercê-lo, o indivíduo acaba tendo sua dignidade violada. Por essa razão, a Constituição consagra o trabalho como um direito social fundamental (CF, art. 6º), conferindo uma extensa proteção aos direitos dos trabalhadores (C.F. Arts. 7º e 11). A consagração dos valores sociais do trabalho impõe, ainda, ao Estado o dever de proteção das relações de trabalho contra qualquer tipo de aviltamento ou exploração, como tem ocorrido com certa frequência na história do trabalho assalariado.
A liberdade de iniciativa, que envolve a liberdade de imprensa (indústria e comércio) e a liberdade de contrato, é um princípio básico do liberalismo econômico. Além de fundamento da República Federativa do Brasil, a livre-iniciativa está consagrada como princípio informativo e fundante da ordem econômica (CF, art. 170), sendo constitucionalmente “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” (CF, art. 170, parágrafo único). A ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF. art. 170).
Diante do exposto, questiona-se não poderia haver a convivência e a harmonia entre os atos da União, Estados e Municípios para o enfrentamento da crise, diante do Estado Democrático de Direito. E, também, se poderia haver a preservação da saúde, sem declinar do direito ao trabalho e à livre iniciativa, já que são os princípios fundamentais que sustentam a ordem econômica e social.
Neste sentido, a Resolução 01/2020 (B, I) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos[21] destaca a importância do trabalho como meio de subsistência:
Observando que a generalidade dos trabalhadores, em especial os que vivem em situação de pobreza ou com baixos salários, dependem por definição da renda econômica do trabalho para sua subsistência e levando em conta que existem certas categorias de trabalho que expõem as pessoas a um maior risco de que seus direitos humanos sejam afetados pela pandemia e suas consequências, tais como trabalhadores da saúde, produção e distribuição de alimentos, limpeza, cuidado, trabalhadores rurais, informais ou precarizados, entre outros.
Cumpre trazer, também, as diretrizes indicadas por Paulo Abrão, secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:
Cabe aos Estados o ônus de provar que as medidas adotadas são estritamente necessárias para a sociedade democrática, que satisfazem o princípio da legalidade, que são adequadas para atingir o objetivo de proteger a vida e a saúde pública, que não existem meios menos nocivos para alcançar esses mesmos objetivos, e que a restrição causada não é mais prejudicial que o benefício obtido. Para serem legítimas, as medidas de exceção não podem ser genéricas ou dirigidas a suprimir um catálogo indefinido de direitos, nem podem ser utilizadas para justificar o uso arbitrário da força ou a supressão do direito de acesso à justiça, nem podem ter um tempo de duração infinito. Outros limites são os direitos que não são derrogáveis pelo direito internacional: o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; o direito à vida; o direito à integridade pessoal e a proibição de tortura, tratamento desumano, cruel e degradante; a proibição de escravidão e servidão; o princípio da legalidade e da retroatividade; liberdade de consciência e religião; proteção da família; o direito a um nome; os direitos das crianças; o direito à nacionalidade e os direitos políticos.
Entendemos que o contexto de excepcionalidade não pode se consolidar como uma espécie de nova normalidade. É necessária uma ampla vigilância para que a crise da pandemia não se transforme em uma crise generalizada de direitos humanos. Dessa forma, cientes de que certas restrições possam ser permitidas, publicamos a Resolução 01/2020 sobre a “Pandemia e os Direitos Humanos”, estabelecendo os requisitos materiais e formais que os estados devem cumprir. Ali também estão 85 recomendações que servem de guia para uma aplicação adequada de regras e declarações de emergência no contexto da atual contingência. Para o direito internacional, o objetivo da proteção à saúde não pode ser invocado de maneira ambígua ou abusiva para desconsiderar as obrigações dos Estados em relação aos direitos humanos[22].
Como bem traz o artigo, a proteção à vida e à saúde pública deve ser feita por meios menos nocivos, de modo que a restrição causada não seja mais prejudicial que o benefício obtido.
Desta forma, seria conveniente que os atos do governo garantissem a harmonia e convivência dos princípios constitucionais, ao invés da sua colisão, como ocorreu.
Ademais, questiona-se sobre a imprescindibilidade das restrições impostas e quais as consequências econômicas da paralisação para o futuro do Brasil e de seus cidadãos. É o que se traz no item seguinte.
2.6. As Consequências Econômicas da Intervenção Estatal sobre a Economia (COVID-19).
Como visto, dos princípios estampados na Constituição Federal, destacaram-se os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (art. 1º, IV), que, em conjunto com a Lei da Liberdade Econômica, 13874/2019, foram preteridos pelas medidas restritivas dos Estados e dos Municípios, diante da preferência e prevalência de outro direito fundamental, o da saúde.
No entanto, o resultado são empresas quebrando ou obrigadas ao enxugamento ou a paralisação de suas atividades, demissão de empregados, pessoas com restrição de locomoção, fuga dos investidores, desvalorização da moeda real, colocando o Brasil em crise e levando-o à recessão econômica:
O Instituto Fiscal Independente, do Senado, divulgou um estudo nesta segunda-feira, 13, apontando que a paralisação da atividade econômica e gastos com o combate à pandemia do novo coronavírus (Covid-19) podem incutir em consequências dolorosas para a economia brasileira pelos próximos dez anos. Segundo a instituição, no pior dos cenários, com 22 semanas de paralisação das atividades, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do país pode atingir até 7% neste ano. Contudo, este é apenas o impacto inicial — as perspectivas para os próximos anos não são melhores. Segundo a instituição, os gastos engendrados pelo Governo Federal farão a dívida pública disparar a 84,9% do PIB neste ano. Mas o pior vem depois. Ainda de acordo com o documento, a dívida pública do país deve ultrapassar todos os bens e serviços produzidos no país em até dez anos. Para que isso não acontece, um penoso controle do crescimento do endividamento precisará ser colocado em prática, passado o momento crítico. Isso terá efeitos atrozes sobre o crescimento do PIB e da renda da população por mais de uma década.
A instituição calcula que o novo déficit do governo central deverá ficar em 514,6 bilhões de reais e, para o setor público consolidado, projeta-se déficit de R$ 549,1 bilhões, uma piora de 5,9 pontos percentuais do PIB em relação à projeção de novembro de 2019. Segundo o documento, as projeções catastróficas se dão, obviamente, pela paralisação das atividades econômicas em decorrência das políticas de isolamento e o consequente aumento no desemprego. “Choques recentes de oferta, demanda e condições financeiras vão interromper a trajetória de recuperação da atividade no Brasil. Nesse contexto, elemento adicional que preocupa é a elevada taxa de desemprego no Brasil, que tem caído lentamente nos últimos três anos e pode voltar a subir a depender da extensão e duração dos impactos”, alerta o IFI. [23]
No que diz respeito ao desemprego, colhe-se:
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o nosso país encerrou a primeira semana de julho com 11,2 milhões de desempregados. Os dados divulgados nesta sexta-feira (26/06) apontam para um número com 1,4 milhão a mais do que o apresentado na primeira semana do último mês. Dentre os desempregados, cerca de 5,3 milhões deles estão concentrados na região sudeste, seguido da região nordeste e do sul do país. (Fonte: G1)
Nesse cenário, a Fundação Getúlio Vargas também fez um levantamento que aponta que, em meio à crise, o Brasil deve colher sua primeira década de recessão. Dessa forma, os dados mostram que, entre 2011 e 2020, PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro deve registrar um recuo médio de 0,3% ao ano. A situação é inédita para o país e foi provocada essencialmente pelo grande impacto da pandemia no PIB deste ano. (Fonte: G1)[24]
A restrição geral do trabalho provocou uma crise social e econômica sem precedentes na história, cujas consequências terão que ser suportadas por mais de dez anos e, por todo o povo brasileiro.
Como se vê, não foi respeitado o Estado Democrático do Direito, em que deveria prevalecer a vontade do povo e que não foi consultado, nem, tampouco o bem estar coletivo.
Sobre o assunto, respeitando a liberdade de pensamento e, também, a manifestação de alguns setores da sociedade, pode-se colher diversos artigos, em que os atos do governo são questionados ou criticados e que se traz, na sequencia, a título exemplificativo.
Leonardo Vizeu Figueiredo[25], no artigo Livre Iniciativa em época de COVID-19[26], afirma:
A violação à liberdade de iniciativa de forma irresponsável e sem planejamento trará uma série de consequências funestas à população brasileira, oriundas de mazelas sociais decorrentes da miséria que vem sendo semeada de forma demagógica. Vivemos um período conturbado onde, em nome da saúde, várias pessoas foram privadas de seu sustento e de seu trabalho, por comando do Poder Público estadual e municipal.
Tal fato é extremamente preocupante, uma vez que um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito reside no pleno exercício das liberdades individuais, dentre elas a liberdade de ofício e a livre iniciativa. Liberdade não se negocia, não se tutela, liberdade se exerce. Uma vez perdida a liberdade, ainda que em nome de sua proteção, dificilmente ela retornará. A história é pródiga em exemplos de Nações que viram suas democracias ruírem, quando a população aceitou abrir mão de suas liberdades individuais.
O movimento Reage Brasil, do qual integram mais de 200 entidades, pede a retomada gradual das atividades[27]:
A abertura gradual da atividade econômica a partir do dia 30 de março, para evitar um colapso, é o que pedem mais de 200 entidades do Sul do país ligadas ao Movimento Reage Brasil, que protocolaram nesta sexta-feira documento no gabinete do governador Eduardo Leite.
De acordo com um dos representantes do grupo, o presidente do grupo Exlorer e diretor regional da Associação Brasileira do Trabalho Temporário (ASSERTTEM), André Fraga, não há como voltar toda a atividade imediatamente, mas nesse período de paralisação já foi possível aprender a lidar com o coronavírus. “A população já está muito conscientizada de todos os critérios para esta guerra contra a Covid-19. Pedimos uma liberação. Por exemplo, que nas indústrias sejam abertas possibilidades de ter escala para não colocar todos no mesmo turno.”
Ainda trazendo Notícia exemplificativa do RS a Notícia de 28.06.2020[28]:
DISTANCIAMENTO CONTROLADO
Governo do RS recebe 67 recursos para reavaliação da bandeira vermelha.
Em outras palavras, questiona-se a sustentabilidade[29] dos atos praticados pelos governantes, devendo ser levado em conta que o Brasil é um País em desenvolvimento, questionando-se se o medo da contaminação é suficientemente justificável para parar a economia, correndo o risco de reportar o Estado Brasileiro ao endividamento e a uma crise econômica sem precedentes.
Neste sentido, Paulo Abraão, no artigo[30] “Quando a resposta à pandemia fere direitos humanos” prevê que o peso da pandemia – tanto sanitário quanto econômico – não será distribuído de maneira igualitária entre os países e nem dentro de cada país, cabendo aos mais pobres um fardo mais pesado.
O que quer dizer que, para cada País os efeitos da pandemia são diferentes, questionando-se se, para o Brasil, um País emergente, em desenvolvimento, a suspensão geral do trabalho, sacrificando a economia nacional e desenvolvimento social, pela ameaça de pandemia, representa uma decisão coerente com a nossa realidade.
Questiona-se se a proteção da saúde não pode ser harmonizada com o direito ao trabalho, com adoção de medidas preventivas e protetivas, como o uso de máscaras e a higienização, isolamento apenas do grupo de risco, doentes, contaminados e suspeitos, com incentivo de pesquisa aplicada, inovação e difusão de novas tecnologias, descobrimento de novas alternativas de tratamento, poderiam ser suficientes para a contenção da doença e a preservação da saúde dos cidadãos e, concomitantemente, da economia nacional.
- CONCLUSÃO
Viu-se que, no contexto da Pandemia COVID-19, a atuação do Estado brasileiro não observou o preâmbulo da Constituição Federal, pois os seus atos não respeitaram o Estado Democrático de Direito em que o Estado é apenas instrumento da vontade popular, eis que esta, em nenhum momento, foi consultada ou considerada.
Também se verificou a desarmonia entre os atos da União com os dos estados e dos municípios, pois não obstante o governo federal tentou disseminar a ideia de manter a economia em funcionamento, os Governadores dos Estados e dos Municípios, em grande parte, seguiram por vontade própria determinando a suspensão geral das atividades.
Verificou-se que, ao invés de haver união e harmonia entre as esferas do governo, houve desunião e desarmonia. Da mesma forma, não foi preservado o direito à saúde em convivência com o direito ao trabalho e à livre iniciativa, havendo uma sobreposição de um princípio constitucional, em desfavor dos outros de mesma hierarquia constitucional, ambos intrínsecos ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Os questionamentos que os governos poderiam ter feito, antes de suspender as atividades e comprometer a economia nacional e o desenvolvimento sociail são: quais as medidas para preservar a saúde dos cidadãos, a dignidade da pessoa humana e o direito à subsistência em tempos de pandemia? Qual o grupo de risco que tem maior propensão à contaminação? De que forma se poderia incentivar as pesquisas científicas visando descobrir alternativas de tratamento? Qual a eficácia e a utilidade das medidas tomadas? Quais as consequências para a Economia Nacional? e, direcionar os atos do Estado coincidentes com a realidade brasileira, evitando o pânico social e a instabilidade econômica.
As regras de combate ao COVID-19, como o uso de máscaras e a higienização com álcool gel, podem ser adotadas e observadas evitando a contaminação, mas, impedir as pessoas de trabalharem, provocando pânico e medo é um desserviço do Estado à sociedade brasileira, criando ainda mais problemas que vão se elastecer no tempo.
Cabia aos governantes, unidos em força nacional, conduzir os atos de forma harmônica e unívoca, investigando qual a extensão da pandemia, quais as suas consequências, se atinge a todos os membros da sociedade ou não, quais as medidas preventivas, aumentar a pesquisa sobre o vírus e o seu combate, utilizar-se de meios para fazer a proteção, vacinação, questionar se é imprescindível o isolamento, se é necessário o fechamento de fábricas, comércio, escolas, fronteiras, etc. E, por último, e não menos importante, quais os efeitos, os resultados dos seus atos, quais as consequências econômicas, sociais, psicológicas, etc., que o povo brasileiro terá que arcar e suportar.
A essa altura cumpre colocar o trabalho, assim como o Estado, não como o “SALVADOR”, mas, como função INSTRUMENTAL, isso quer dizer que não tem um fim em si mesmo, mas, um fim para o cidadão, para que, através dele, como instrumento, possa melhorar a sua condição e qualidade de vida, com reflexos em toda a sociedade.
Por fim, cumpre trazer uma questão relevante, que os atos do Estado Brasileiro deveriam basear-se na REALIDADE BRASILEIRA, não copiando os atos praticados na Europa, na China ou nos Estados Unidos, pois a nossa realidade, condição e identidade é diferente, é particular. Nós somos um país em desenvolvimento e a paralisação pode ter consequências diferentes e muito mais graves do que em países desenvolvidos, o que se revelou pela alta do dólar e do Euro e a franca desvalorização do Real.
Além disso, reflete-se sobre as questões: quem vai pagar a dívida gerada com a Pandemia? De onde está vindo o dinheiro? e, principalmente, o que vamos ter que dar em troca dos empréstimos feitos?
Neste ponto, cumpre questionar se a Soberania Nacional foi ameaçada com o endividamento brasileiro.
Neste contexto, o Estado não perguntou à Sociedade, que representa, qual o seu desejo, qual a sua vontade e, principalmente, o que é melhor para o cidadão e para a economia nacional. O cidadão, por sua vez, também, não se manifestou, colocando-se nas mãos do Estado, como um filho assistido.
Neste sentido, o trabalho também pode ser visto como um instrumento para o desenvolvimento humano, sujeito ativo, protagonista responsável da sua vida e, não como sujeito passivo, cumprindo trazer o pensamento de Amartya Sen (2010, p.11):
[…] As disposições sociais, envolvendo muitas instituições (o Estado, o mercado, o sistema legal, os partidos políticos, a mídia, os grupos de interesse público e os foros de discussão pública, entre outras), são investigadas segundo sua contribuição para a expansão e a garantia das liberdades substantivas dos indivíduos, vistos como agentes ativos de mudança, e não como recebedores passivos de benefícios.
Isso quer dizer que, o indivíduo, pode ver o Estado ou o trabalho, por exemplo, como um valor, como um instrumento, mas não deve se colocar como sujeito passivo da situação, deve ser agente operador participativo.
De tudo isso, extrai-se uma lição positiva: algumas pessoas, não obstante a restrição imposta pelos governantes, se responsabilizaram e fizeram uma retomada de ação, não se abateram e tiveram uma retomada das suas atividades, minimizando os efeitos deletérios de uma parada geral obrigatória.
Revelou-se, mais uma vez, a criatividade[31] do povo brasileiro, criando novas formas e fontes de trabalho, servindo para fazer brotar uma parte de que estava escondida, que é a capacidade de reinvenção, de adaptação, de criatividade e a vontade de lutar para preservar a si mesmo e manter a soberania nacional.
- REFERÊNCIAS
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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 19. reimp. Rio de Janeiro: Elselvier, 1992.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 6ª ed. rev. Coimbra, Portugal : Livraria Almedina, 1993.
CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo; participação especial Gabriel Real Ferrer. Globalização, transnacionalidade e sustentabilidade. Itajaí: UNIVALI, 2012. – ebook.
CLÈVE, Cléverson Merlin, BARROSO, Luis Roberto. Doutrinas Essenciais DIREITO CONSTITUCIONAL, 2ª Triagem, vol. II, São Paulo : RT, 2013. Artigo de José Afonso da Silva, O Estado Democrático de Direito, Revista dos Tribunais. RT 635. SET. 1988.
DA SILVA, Nelson Lehmann. A Religião Civil do Estado Moderno. 2. ed. Campinas: Vide Editorial, 2016.
IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo : Editora Martin Claret, 2006.
MENEGHETTI, Antonio. Personalidade Empresarial. São Paulo : FOIL, 2004.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
PASSOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 4ª ed. revista e ampliada. Itajai-SC. : Univali, 2013. ISBN 978-85-7696-107-9 (e-book).
PETTER, Lafayete Josué, Direito Econômico, Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2009.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008.
SEM, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2010.
Artigos e leis consultadas:
Revista Exame, Ed. 1205 -18.03.2020 – Ano 54, n. 05, p. 33, ISSN
SOUZA, Clarissa Abrantes. As políticas assistencialistas e o pensamento de Hannah Arendt. http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46455/as-politicas-assistencialistas-e-o-pensamento-de-hannah-arendt.
A Constituição e o Supremo [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. – 6. ed. atual. até a EC 99/2017. – Brasília : STF, Secretaria de Documentação, 2018.1895 p. Modo de acesso: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/>.ISBN : 978-85-61435-99-8.
- Direito constitucional, Brasil. 2. Tribunal Supremo, Brasil. 3. Constituição, Brasil. I. Título.
CDDir-341.2A Constituição e o Supremo. 6ª. Ed. ISBN: 978-85-61435-99-8.
https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf.] http://www.saude.sc.gov.br/coronavirus/decretos.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
file:///C:/Users/CP/Downloads/3995-371375963-1-PB.pdf
Fonte http://genjuridico.com.br/2020/05/11/livre-iniciativa-covid-19/
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2020/decretolegislativo-6-20-marco-2020-789861-publicacaooriginal-160163-pl.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf
https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/geral/entidades-pedem-retomada-gradual-da-atividade-econ%C3%B4mica-1.408642
https://gauchazh.clicrbs.com.br/coronavirus-servico/noticia/2020/06/governo-do-rs-recebe-67-recursos-para-reavaliacao-da-bandeira-vermelha-ckbz8tura001x0162ubgo2vij.html
[1] Advogada em Florianópolis/SC e RS. Mestranda em Ciência Jurídica – Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI/SC (2019).
[2]Os coronavírus são uma grande família de vírus que causam doenças que variam do resfriado comum a doenças mais graves, como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV).
O Covid-19 é a doença do coronavírus provocada pela nova cepa descoberta em 2019, que não havia sido identificada anteriormente em seres humanos. (Fonte: https://www.msf.org.br/o-que-fazemos/atividades-medicas/coronavirus?utm_source=adwords_msf&utm_medium=&utm_campaign=covid-19_comunicacao&utm_content=_epidemias_brasil_39923&gclid=Cj0KCQjwtLT1BRD9ARIsAMH3BtXmjSt-CFLcrqqqggsTX2WL-JAzuUbRysax9hrpbVl9jH0NB4i-lwIaAk69EALw_wcB)
[3] Epidemia é o aumento anormal do número de pessoas contaminadas por uma doença, numa região determinada, num país, mas que não toma proporções geográficas maiores: epidemia de dengue no Brasil.
Pandemia é uma epidemia que se espalhou geograficamente, saindo do seu lugar de origem, especialmente falando de doenças contagiosas que assolam praticamente o mundo inteiro: pandemia de Covid-19. (Fonte https://www.dicio.com.br/pandemia/)
[4] Revista Exame, Ed. 1205 -18.03.2020 – Ano 54, n. 05, p. 33
[5] Arts. 14, I-III, 10, 29, X e XI, 31, § 3º, 49, XV, 61, §2º, III, e 204, II.
[6] Art. 1º, V, 17 e 206, II.
[7] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
[8]isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus;
[9]quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm
[11]https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2020/decretolegislativo-6-20-marco-2020-789861-publicacaooriginal-160163-pl.html
[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm
[13] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf
[14] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[15] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[16] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[17] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[18] Sobre o conceito da dimensão de peso, cf. Ronald Dworkin, Raking RightsSeriously, pp. 26-27.
[19] Cfr. R. ALEXY, Theorie der Grundrechte, p. 82 ss; BARILE, Diritti dell’uomo e Libertá fondamentali, 1984, p. 42. Na solução desses conflitos, a Declaração Internacional dos Direitos do Homem serve, quando muito, como elemento de <<ponderação>> e nunca como elemento autônomo de restrição. Em sentido diferente, cfr. JORGE MIRANDA, Manual, IV, p.271.
[20] Cfe. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 1º ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 720.
[21] Fonte: https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf
[22]https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/04/21/Quando-a-resposta-%C3%A0-pandemia-fere-direitos-humanos
[23] https://veja.abril.com.br/economia/coronavirus-economia-brasileira-pode-sofrer-impactos-por-mais-de-dez-anos/
[24] https://bizcapital.com.br/blog/consequencias-do-coronavirus-ultimas-noticias-sobre-a-covid19/
[25] Mestre em Direito com ênfase em Ordem Econômica Internacional. Especialista em Direito Público, em Direito do Estado com ênfase em Sistemas de Saúde. Professor. Membro da Procuradoria Federal Especializada da Comissão de Valores Mobiliários.
[26] Fonte http://genjuridico.com.br/2020/05/11/livre-iniciativa-covid-19/
[27] https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/geral/entidades-pedem-retomada-gradual-da-atividade-econ%C3%B4mica-1.408642
[28] https://gauchazh.clicrbs.com.br/coronavirus-servico/noticia/2020/06/governo-do-rs-recebe-67-recursos-para-reavaliacao-da-bandeira-vermelha-ckbz8tura001x0162ubgo2vij.html
[29] Sustentabilidade: Canotilho defende que a sustentabilidade é um dos fundamentos do que chama de princípio da responsabilidade de longa duração e que implica na obrigação dos Estados e de outras constelações políticas adotarem medidas de precaução e proteção, em nível elevado, para garantir a sobrevivência da espécie humana e da existência condigna das futuras gerações. (CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo; participação especial Gabriel Real Ferrer. Globalização, transnacionalidade e sustentabilidade. Itajaí: UNIVALI, 2012. – ebook -, pg.112).
[30]https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/04/21/Quando-a-resposta-%C3%A0-pandemia-fere-direitos-humanos
[31] “a criatividade é a elaboração de competências específicas organizadas em novidade de função”. (Meneghetti, 2004, p.28).

