Cobertura de Financiamento FCVS

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2007.72.00.010790-7/SC
AUTOR : RONALDO JULIO DE SOUZA HIPOLITO
AUTOR : MARIANGELA MACHADO HIPOLITO
ADVOGADO : PRISCILA SCHIESTL PINHEIRO
RÉU : CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF
: BESC S.A – CREDITO IMOBILIARIO
SENTENÇA

Trata-se de ação de procedimento ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta por RONALDO JÚLIO DE SOUZA HIPÓLITO e MARIÂNGELA ADENIDE MACHADO em face de BESC S/A CRÉDITO IMOBILIÁRIO e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, objetivando o cancelamento da hipoteca que recai sobre imóvel dado em garantia em contrato de mútuo regido pelo Sistema Financeiro de Habilitação, firmado e 16/05/1985, com cobertura pelo FCVS. Pleiteiam, ainda, a condenação da parte ré em indenização a título de danos morais e materiais.
Alegam, em síntese, que embora tenham pago todos os valores devidos, o agente financeiro estaria recusando-se a liberar a hipoteca tendo em vista a multiplicidade de financiamentos. Aduzem, ainda, que o primeiro contrato, firmado em 30/05/1983, foi cedido a Antônio Luiz Félix Mathias em 11/11/1983 (fls. 27/28).
O pedido de cognição sumária foi indeferido (fl. 155).
O BESC S/A Crédito Imobiliário apresentou sua contestação à fls. 159/199, alegando que não há como liberar a hipoteca do imóvel porque persiste o débito do saldo devedor residual, uma vez que a CEF recusou a cobertura pelo FCVS, ante a constatação de multiplicidade de financiamentos. Afirma, também, que foi informado pelos autores somente em maio de 2007 do contrato de gaveta firmado com Antônio Luiz Félix Mathias em 11/11/1983, momento no qual solicitou à CEF a descaracterização de multiplicidade no CADMUT, sendo, no entanto, negada.
A Caixa Econômica Federal apresentou a sua contestação às fls. 201/235 argüindo, preliminarmente, a necessidade de intimação da União para que se manifeste sobre o interesse na demanda. No mérito, alega que os autores adquiriram dois imóveis no município de Florianópolis pelo Sistema Financeiro de Habitação, com cobertura pelo FCVS. Defende que a legislação de regência do SFH permite a utilização do FCVS para a quitação de apenas um imóvel, motivo pelo qual recusou a utilização de recursos desse fundo para quitação de outro financiamento. Juntou o resultado da pesquisa realizada no CADMUT (cadastro Nacional de Mutuários) – fl. 233.

Réplicas às fls. 238/244 e 246/254.

A União requereu a intervenção no feito, na qualidade de assistente simples da CEF, à fl. 257v.

É o relatório. Decido.

1. ASSISTÊNCIA SIMPLES

Requereu, a União, a intervenção no feito na qualidade de assistente simples.

Com efeito, não há interesse jurídico da União na presente causa, mas sim, interesse da ordem econômica. Todavia, por expressa disposição legal não há razões que autorizem o indeferimento do requerente. É isto que disciplina o art. 5º da Lei n. 9.469/97:
Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.

Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a questão em pauta, interpretando o dispositivo citado:
FGTS. INTERESSE RECURSAL DA UNIÃO. INTERVENÇÃO NO FEITO COMO ASSISTENTE SIMPLES. INTERESSE ECONÔMICO. LEI. 9.469/97.

1. Diante da permissão contida na Lei n. 9.469/97, em seu art. 5º, parágrafo único, justifica-se a intervenção da União na condição de assistente simples nas causas em que se discute a cobrança das diferenças decorrentes da aplicação de correção monetária sobre os saldos das contas vinculadas do FGTS, dispensando-se a demonstração de interesse jurídico em que a sentença venha a ser favorável à Caixa Econômica Federal, ou seja, bastando exibir exclusivamente interesse econômico, ainda que de forma indireta e reflexa.

2. Embargos de divergência a que se dá provimento, com remessa dos autos à 2ª Turma, para apreciação do recurso especial.

(EREsp 589560/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.08.2005, DJ 29.08.2005 p. 141)
Destarte, admito a assistência da União, recebendo, a mesma, o feito no estado em que se encontra.

 

2. PREJUDICIAL DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (Lei nº 8.078/90)

A fundamentação da parte autora para aplicação das normas definidas no Código de Defesa do Consumidor afeta a análise do mérito, relativamente à interpretação das cláusulas contratuais, motivo pelo qual deve ser analisada como prejudicial.

Com efeito, a jurisprudência é uníssona em reconhecer a relação estabelecida entre o mutuário e o agente financeiro como relação de consumo, submetida ao regramento da lei especial de defesa do consumidor.

Não obstante, o contrato foi celebrado em 16/05/1985 (fl. 34), portanto antes da vigência da Lei nº 8.078/90, motivo pelo qual deve ser afastada a incidência de suas normas para revisão das cláusulas contratuais sob pena de violar ato jurídico perfeito, como já decidiu o STF:
Constitui ofensa ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em contrato celebrado anteriormente à sua edição. Precedente da Turma. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF. RE 240216/BA. Primeira Turma. Rel. Min. ELLEN GRACIE. DJ de 14/06/02. p. 146)
3. MÉRITO
3.1 Cobertura pelo FCVS
A questão suscitada nos presentes autos já se encontra pacificada nos Tribunais pátrios, como demonstram os seguintes julgados:
CONTRATO DE MÚTUO. DOIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS N.ºS 8.004/90 E 8.100/90. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.

1. Consoante as regras de direito intertemporal, as obrigações regem-se pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham elas base contratual ou extracontratual. No campo dos contratos, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram.

2. A cobertura pelo FCVS – Fundo de Compensação de Variação Salarial, é espécie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato. O saldo devedor, por seu turno, é um resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário. Embora o FCVS onere o valor da prestação do contrato, o mutuário tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio.

3. Deveras, se na data do contrato de mútuo, ainda não estava em vigor norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis n.º 8.004/90 e 8100/90, violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação.

4. In casu, à época vigia a Lei n.º 4.380/64 que não excluía a possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel seria antecipado o vencimento do valor financiado.

5. Ademais, a alteração trazida pela Lei n.º 10.150/2000 à Lei n.º 8.100/90, tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990.

6. Precedentes do STJ (RESP n.º 568503/RS, deste relator, DJ de 09.02.2004; RESP 363966 / SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 11/11/2002; RESP 393543 / PR, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 08/04/2002)

[…]

8. Recurso especial desprovido.

(STJ. Recurso Especial nº 604.103 ? 200301973644/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Luiz Fux. DJ 31/05/2004, p. 225. Grifei)
SFH. CONTRATO DE MÚTUO HIPOTECÁRIO. DUPLO FINANCIAMENTO. QUITAÇÃO COM RECURSOS DO FCVS.

– O FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS, conforme assegurado pela Lei n. 10.150/00.

– Após o pagamento de todas as prestações do contrato, deve a Caixa a liberar os recursos do FCVS para quitação do saldo residual do financiamento habitacional para posterior quitação do mútuo pelo agente financeiro.

– Condenados os réus a arcarem com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da causa.

(TRF da 4ª Região. Apelação Cível nº 685.183 ? 200270000428114/PR. Quarta Turma. Rel. Des. Fed. Edgard A. Lippmann Júnior. DJU 30/03/2005, p. 759. Grifei)
ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE “GAVETA”. LEGITIMIDADE DO CESSIONÁRIO. MAIS DE UM IMÓVEL FINANCIADO NA MESMA LOCALIDADE. MANUTENÇÃO DA COBERTURA PELO FCVS EM AMBOS OS CONTRATOS. ART. 3º DA LEI N. 8.100/90, COM REDAÇÃO DA LEI 10.150/2000.

[…]

2. Não tem aplicação a norma restritiva sobre a quitação, pelo FCVS, de um único saldo devedor, trazida pela Lei 8.100/90, não só porque o contrato em exame foi firmado em data anterior à vigência da referida lei, que não pode ter aplicação retroativa, sob pena de atingir ato jurídico perfeito, mas também porque a Lei 10.150/2000, ao alterar a redação original do art. 3º da Lei 8.100/90, impôs a restrição apenas àqueles contratos firmados posteriormente a 05DEZ90.

3. Apelação improvida.

(TRF da 4ª Região. Apelação Cível nº 574.623 ? 200171000354451/RS. Terceira Turma. Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon. DJU 28/04/2004, p. 659. Grifei)
Com efeito, o contrato em exame está coberto pelo FCVS e foi firmado em 16/05/1985, portanto antes de 05/12/1990, marco temporal definido expressamente no art. 3º da Lei nº 8.100/90, com redação dada pela Lei nº 10.150/00, antes do qual não era vedada a utilização do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS para quitação de mais de um saldo devedor remanescente por mutuário.

Considerando, pois, que não há controvérsia quanto à alegação da parte autora de que cumpriu as demais obrigações contratuais, merece prosperar o pedido.

3.2 Danos Morais

Buscam os autores, também, a condenação da ré em indenização a título de danos morais que alegam ter sofrido em virtude da negativa do agente financeiro em proceder a liberação da hipoteca. Narram que, em decorrência desta conduta, criou-se uma situação de descrédito perante os compradores do imóvel cujo Contrato Particular de Compra e Venda foi firmado em 22/05/2005 (fls. 57/59; aditamento à fl. 59).

Sem razão os autores com relação a este pedido indenizatório.

Como razão de decidir adoto a conceituação de dano moral lançada por Carlos Roberto Gonçalves, nos rumos da mais abalizada doutrina que procura frear a chamada “indústria do dano moral”:
No tocante aos bens lesados e à configuração do dano moral, malgrado os autores em geral entendam que a enumeração das hipóteses, previstas na Constituição Federal, seja meramente exemplificativa, não deve o julgador afastar-se das diretrizes nela traçadas, sob pena de considerar dano moral pequenos incômodos e desprazeres que todos devem suportar na sociedade em que vivemos. Desse modo, os contornos e a extensão do dano moral devem ser buscados na própria Constituição, ou seja, no art. 5º, V (…) e X (…) e, especialmente, no art. 1º, III que erigiu à categoria de fundamento do Estado Democrático à dignidade da pessoa humana´.
Da lição do autor pode-se extrair que, a partir de um enfoque constitucional, o dano moral deve se estender às lesões à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, todos corolários do direito à dignidade.

Neste norte, não há se falar em dano da ordem moral no caso dos autos. Trata-se de negativa administrativa à pretensão do autor devidamente fundada na multiplicidade de financiamento. Muito embora, como já dito, tal questão já esteja pacificada na jurisprudência pátria, há alguns julgadores que, em apoio à conduta da Caixa, entendem que não se pode conferir indiscriminadamente a cobertura pelo FCVS, até porque o intuito verdadeiro do Fundo era permitir a toda população a aquisição da casa própria e não lucrar com os recursos do governo, como em muitos casos se verificou na aquisição de inúmeros imóveis cobertos pelo FCVS.

Assim, entendo que a mera negativa de quitação do mútuo e de levantamento da hipoteca não é suficiente para configurar o dano moral, porquanto, além de não decorrer de ato ilícito premeditado do agente financeiro, é conseqüência de equivocada interpretação das cláusulas contratuais e das normas que regem o SFH.

Portanto, indefiro o pedido de condenação em danos morais.

3.3 Danos Materiais

Requerem, ainda, os autores a condenação do agente financeiro ao pagamento de indenização por danos materiais, aduzindo que, em decorrência da negativa administrativa, restaram condenados ao pagamento de multa contratual e honorários advocatícios, além de diversas despesas e transtornos decorrentes de ação de execução de obrigação de fazer proposta por Aquiles Zorzo e Celina Zorzo, na Justiça Estadual.

Conforme avençado no Contrato Particular de Compra e Venda (fls. 57/59), cabia aos autores transferir o imóvel aos compradores até a data de 01/06/2005 (fl. 58), o que não ocorreu, ensejando a propositura da ação acima mencionada (fls. 63/67).

Ocorre que os próprios autores contribuíram para a ocorrência das alegadas lesões patrimoniais, uma vez que, embora não tenha ocorrido a liberação da hipoteca, eles sequer desocuparam o imóvel e transferiram a posse aos compradores enquanto não era possível a transferência de propriedade, conforme determinara o Juiz de Direito (fl. 96).

Assim, não existe nexo causal entre os danos patrimoniais (condenação no pagamento de multa, honorários e outras despesas judiciais) e a não liberação da garantia real pelo agente financeiro, razão pela qual indefiro o pedido de condenação da ré ao pagamento dos danos materiais.

Vale ressaltar, ainda, que os próprios autores é que assumiram o risco, ao contratar com terceiros, obrigando-se a liberar a hipoteca junto ao Besc S/A – Crédito Imobiliário inclusive com prazo determinado, quando sequer conheciam o resultado do requerimento administrativo. Destarte, o ônus dessa manobra deve ser suportado única e exclusivamente pelos mutuários.

Fica evidente, pois, que os danos materiais experimentados não provieram de qualquer conduta, seja ela positiva ou negativa, dos réus.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, com a resolução do mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na presente ação para o fim de DECLARAR quitado o contrato de mútuo habitacional objeto desta demanda e CONDENAR os réus a emitirem documento que possibilite o cancelamento da hipoteca que onera o imóvel dos autores, ficando a cargo do FCVS a cobertura do saldo devedor residual.

Ante a sucumbência recíproca equivalente, declaro compensados os honorários advocatícios, cada parte arcando com os honorários dos seus patronos.

As rés deverão cumprir a obrigação de fazer definida nesta sentença no prazo de trinta dias após a intimação do trânsito em julgado, nos termos do art. 461 do CPC, comprovando nos autos as diligências efetuadas. Não comprovado o cumprimento da sentença, expeça-se ofício ao registro de imóveis para o cancelamento da hipoteca (art. 466-A do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Anote-se a assistência da União.

Interposto recurso tempestivo e preparado, desde já, recebo a apelação no duplo efeito, e determino a intimação da outra parte para apresentar suas contra-razões no prazo de quinze dias, após o que os autos deverão ser remetidos ao Tribunal Regional Federal 4ª Região.

Na hipótese de trânsito em julgado da sentença, intimem-se as rés para que cumpram o julgado no prazo de trinta dias. Decorrido o prazo, intime-se a parte autora para que se manifeste e requeira o que entender de direito, no prazo de quinze dias. Em nada sendo requerido, remetam-se os autos ao arquivo.

 

Florianópolis, 15 de fevereiro de 2008.
RAFAEL SELAU CARMONA
Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena

CERTIDÃO

Certifico que esta sentença foi registrada eletronicamente.

Florianópolis, _____/_____/ 2008.

__________________________

1ª Vara Federal de Florianópolis

Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAFAEL SELAU CARMONA:2436
Nº de Série do Certificado: 4435497C
Data e Hora: 16/02/2008 11:53:06

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