DECISÃO INÉDITA – TJSC: Juiz se utiliza dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no deferimento da justiça gratuita.

1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo agravante contra decisão que, nos autos da “ação revisional de contrato cc perdas e danos” n. 5016852-98.2021.8.24.0045, ajuizada pelo agravante em face da agravada, indeferiu o pedido de gratuidade da Justiça formulado pela parte autora (ev15, origem).

Em suas razões, em síntese, asseverou que: (1) demonstrou sua frágil situação financeira, percebendo rendimentos líquidos em valor inferior a três salários-mínimos; (2) não há elementos nos autos que apontem melhor condição financeira; (3) não possui bens móveis ou imóveis registrados no seu nome.

Concluiu requerendo a antecipação da tutela recursal ou atribuição do efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, a concessão da gratuidade da justiça.

É o relatório.

DECIDO.

2. De início, quanto à admissibilidade, há entendimento sedimentado de que o recurso que discute exclusivamente a negativa de concessão da gratuidade da Justiça está dispensado de preparo.

Tem-se que “é desnecessário o preparo do recurso cujo mérito discute o próprio direito ao benefício da assistência judiciária gratuita. Não há lógica em se exigir que o recorrente primeiro recolha o que afirma não poder pagar para só depois a Corte decidir se faz jus ou não ao benefício” (AgRg nos EREsp n. 1.222.355/MG, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, j. em 4-11-2015, DJe 25-11-2015).

Assim, compulsando os autos, observo a presença de todos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade (intrínsecos: cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer; e extrínsecos: regularidade formal, tempestividade), razão por que conheço do recurso.

3. Antes de adentrar ao mérito, impende destacar que, não obstante a ausência de intimação da parte agravada para apresentar contrarrazões, tal fato, no caso em apreço, não configura nulidade processual. Isso porque, em análise aos autos de origem, verifica-se que ainda não houve a citação da parte recorrida.

Nessa toada, já decidiu esta Corte:

[…](2) AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE AGRAVADA. TRIANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL INCOMPLETA NA ORIGEM. DISPENSABILIDADE. – Em atenção às necessidades de presteza e eficácia da prestação jurisdicional, homenageando os preceitos da razoável duração do processo e da celeridade, bem como em aplicação, por analogia, da sistemática do recurso de apelação interposto contra sentença de indeferimento da petição inicial, não há mácula de nulidade, sequer relativa, quando, uma vez não concluída a triangularização processual, restar ausente a intimação do agravado para apresentação de contrarrazões ao agravo de instrumento interposto. […] (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2014.061352-5, de Balneário Camboriú, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 20-11-2014).

Ademais, ausente qualquer ofensa ao contraditório, uma vez que a parte adversa terá oportunidade de impugnar a gratuidade, se assim o desejar, em sede de contestação, nos termos do art. 100, caput, do CPC.

4. No caso dos autos, vejo como deferir o benefício da gratuidade à parte recorrente.

Ressalta-se que o benefício da justiça gratuita objetiva, em respeito às disposições constitucionais, proporcionar às pessoas carentes de recursos financeiros o acesso ao judiciário (art. 5º, LXXIV, CRFB).

Isso posto, tem-se que a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência é relativa. Assim, conforme o art. 99, §2º, do CPC, cabe o indeferimento da gratuidade quando houver elementos nos autos que impeçam a concessão do benefício, a apontar capacidade financeira da parte requerente.

Para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, esta Corte vem utilizando como critério orientador renda familiar mensal inferior a três salários-mínimos, conforme preceitua o art. 2º da Resolução n. 15 do Conselho da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

Ocorre que a adoção de tal patamar não dispensa a análise pormenorizada dos autos, conforme pontua o §12º do próprio dispositivo regulamentar citado: “os critérios estabelecidos neste artigo não excluem a aferição da hipossuficiência no caso concreto, através de manifestação devidamente fundamentada”.

Cabe observar, então, o previsto pelo art. 375 do CPC: “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”.

Nesse sentido, conforme já asseverou a eminente Desa. Denise Volpato, “(…) diante da inexistência de elementos suficientes a infirmar a presunção relativa de veracidade da declaração de hipossuficiência acostada (fl. 13), há de prevalecer a garantia ao amplo acesso à Justiça (artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal)” (AI n. 4008579-30.2017.8.24.0000, de Trombudo Central, j. 08-08-2017).

Tendo isso em vista, entendo que o caso em comento permite o deferimento do benefício requerido, todavia somente em parte.

O recorrente qualificou-se na exordial como mestre de obras e sua esposa é costureira.

Da documentação apresentada, colhe-se que o varão recebe aproximadamente R$ 6.400,00 mensais, e a esposa, R$ 1.900,00 mensais (ev11, cheq8 e 9). Vê-se ainda que têm despesa de aluguel em imóvel que não se reveste de sinais de riqueza, não parecendo haver registro de propriedade de imóveis ou de veículos em seus nomes. Têm como dependentes duas filhas menores de idade.

De outro vértice, não se pode ignorar que a família atualmente investe em imóvel com valor de compra de R$115.000,00, pago parceladamente, cujo contrato é objeto da ação de origem.

De tal cenário, tem-se que a renda familiar do agravante ultrapassa em muito o parâmetro norteador de três salários-mínimos, não havendo nos autos prova de que tenha despesas extraordinárias. Ainda, do fato de estarem adquirindo imóvel de valor considerável, conclui-se que seu orçamento comporta alguma sobra, com a qual realizam tal investimento – ainda que tal bem venha a servir de futura moradia, como se alega.

De outro norte, verifica-se que as custas iniciais do feito de origem ultrapassam R$3.600,00 – valor considerável no orçamento familiar -, e que naqueles autos busca-se justamente a redução do valor das parcelas de aquisição do imóvel referido acima, em razão de alegadas abusividades contratuais.

Assim sendo, e considerando que a gratuidade da justiça se destina àqueles cujo pagamento das custas judiciais prejudicaria o próprio sustento, entendo cabível o deferimento do benefício almejado na parcela em que há efetiva indicação de prejuízo.

Portanto, há como acolher em parte a insurgência, dando-se provimento parcial ao recurso, com fulcro no art. 98, caput, do CPC.

4. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para deferir em parte o pedido de gratuidade da Justiça para isentar o recorrente de 80% do valor das custas judiciais, cabendo-lhe o recolhimento dos 20% restantes, autorizado desde já o parcelamento em três pagamentos, com fulcro no art. 932, VIII, do CPC e art. 132, XVI, do Regimento Interno do TJSC, sem prejuízo a nova análise do tema pelo juízo de origem em eventual impugnação ao benefício pelo adverso em contestação, nos termos do art. 100, caput, do CPC.



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